sexta-feira, 30 de setembro de 2011

a incerteza estrangulada


busco um caminho
um lugar para adiante
na certeza de que tudo ao redor
tende a ser melhor que antes.
doravante
quando em frente aos exércitos distantes
eu evocar figuras errantes
serei
como o soldado caolho de Alexandre
que fechou o olho bom para proteger-se do fogo
e acertou a lança na garganta inimiga
apenas por saber que ela estaria adiante
serei
como o lutador segurando a gola calmamente
esperando a hora de apertar
lentamente, suavemente, até ouvir o ronco
da garganta fechando-se
a sílaba seca da falta de ar
a evocar a vitória e estrangular a incerteza.

sábado, 24 de setembro de 2011

Versos de falsa beleza e pronominal burrice


se a ti te parece verdade
então quem sou eu para negá-la?

se a ti te parece brilhante
e eu apenas pedra bem polida
então quem sou eu para merecê-la?

se a ti te parece poema de amor
bobagem sobre o cheiro da chuva e a cor da flor
quem sou eu para desmenti-la?

se a ti te parece que goteja durante a noite
e o orvalho se confunde com o sereno
quem sou eu para desdizê-la?


se a ti te parece multidão
e eu vejo apenas um punhado de gente a esperar o semáforo
quem sou eu para corrigí-la?

a mim cabe apenas ligar a tv,
consolar-te quando desdita
ajudar-te quando corrigida
conformar-te quando negada
para talvez
aceitar-te quando merecê-la

mesmo sendo por meio
destes versos de falsa beleza e pronominal burrice

dúvida no semáforo



de tão confortável que me sinto
não sei se este ônibus lotado
seis da tarde da segunda feira
é um navio negreiro sobre rodas
ou um curral com ar condicionado.

Que horas são, meu coração?


Leva um certo tempo para o sujeito tomar tento
e respirar atento,
longe de si mesmo
distante dos fatos.

por cima se vê os ratos
a cor dos olhos dos pássaros
os erros e os ponteiros dos relógios

Updike




eu nunca li John Updike
nem sequer ouvi falar dele
antes de ver anunciada sua morte

eu nunca vi John Updike
nem sequer uma sombra de seu rosto
em qualquer camiseta ou homenagem
ou mesmo coletânea de frases
antes de ver anunciada sua morte

no entanto John Updike
me aparece sorridente
no obtuário da revista semanal
e o que dele se escreveu
a mim consiste e procede

John updike era um oceano
um dos poucos que vale morto
(ainda que por sobre minha ignorância)
tanto quanto valia vivo
mas eu não sabia disso
antes de ver anunciada sua morte

e talvez seja essa a utilidade da morte
provar aos ignorante como eu
o real valor dos homens


um amigo me disse que John Updike era pop
pois o sucesso de Updike nunca me bateu à porta
antes de ver anunciada sua morte

na foto John Updike, o oceano,
ampara o rosto com a mão esquerda
e a mão direita está no joelho esquerdo
bem como os cotovelos nos joelhos estão

trata-se de uma típica foto de escritor
exceto pelo fato de que John Updike sorri
um sorriso de quem fez tudo que queria
disse tudo que podia
sonhou em ser exatamente o que era

o que por si só
já vale uma vida

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

sangrar na linha

Devo dizer que meu coração sangrou na linha
na frágil linha
entre a brasa  e a poeira da cinza.

Devo confessar, triste, entre dentes,
o quanto me foi duro perceber lábios e dedos dormentes.

Pensei mesmo em impedir
pálido me vi a proferir palavras de perdão
meio oração meio canção
meio lágrimas meio latido meio grunhido
esperança de sim
e véspera de não.

O homem que de joelhoscondena a si mesmo
é bicho que na solidão encontra espelho.